terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Ornitorrincos na área de serviço

Superada a questão do ornitorrinco! Afinal tenho sido um ornitorrinco a minha vida inteira e não tenho do que reclamar... Até que é legal não ser muito uma coisa nem outra, dá um tom de mistério sobre quem sou (risos) e me possibilita viver o que há de melhor nos diferentes mundos a que pertenço.

A orquídea que ganhei para enfeitar a sala, só ficou lá enquanto cumpria com esse triste destino. Mas um dia eu mudei seu destino, quando notei que ela ficava mais feliz escondidinha na área de serviço, onde tem muito vento, luz do sol indireta e até uma chuvinha de vez em quando. E foi assim que eu decidi que o destino da minha orquídea era ser uma plantinha feliz e saudável, em vez de um ornamento pomposo no meio da sala com a única finalidade de ser agradável aos olhos das pessoas.



"Mas de que serve uma flor tão bonita se ela fica escondida das visitas?"

Assim como a orquídea, eu tinha um destino traçado, um sonho antigo da minha mãe de que eu fosse uma executiva, somado ao orgulho do meu pai pela minha habilidade com as comunicações e as relações sociais e, ainda, com o meu desejo de deixar meus pais e meu irmão orgulhosos de mim. Aos 18 aninhos de idade tomei decisões fundamentais para a minha vida, que resultaram na Relações Públicas, formada na Universidade de São Paulo, desempregada e com uma grande inquietação por dentro, querendo ser mais do que aquilo que eu havia me tornado.

Sem arrependimentos! Se não tivesse feito essas escolhas, não teria conhecido algumas das melhores pessoas do mundo. Amigos incríveis e o meu namorido foram frutos das escolhas que fiz até aquele momento.

Mas, como a orquídea, embora eu tivesse, digamos, uma tendência natural a servir para aquela função, ou para cumprir aquele destino, seria um triste destino se eu me restringisse àquilo. 

E uma reviravolta ocorreu. Da mesma forma que um dia coloquei a orquídea na área de serviço, que seria só por uns dias, somente enquanto eu estivesse viajando, e assim descobri, sem querer, que ela era mais feliz ali. Um dia resolvi fazer aulas de vela com meu namorido, que é caiçara das Alagoas, que sempre teve muita vontade de aprender a velejar, mas sempre postergou o primeiro passo. Eu sabia que eu terminaria não gostando, já fui preparada para fazer apenas uma aula, dizer que não era para mim e sair, teria ido apenas para incentiva-lo, mas acabei me apaixonando pela vela, pelo mar e por tudo o mais que nos envolve nesse meio.

Eu descobri onde a minha felicidade estava. Mas ainda precisaria convencer a mim mesma e a todas as outras pessoas de que mudar o meu destino não era errado.

"Porque mesmo escondida, a orquídea continua sendo uma bela flor, continua a cumprir com a sua função de embelezar o mundo e me faz sorrir toda vez que entro na cozinha ou na área de serviço e a vejo tão bem."

Quando me convenci de que eu deveria seguir o meu coração e ir para onde eu era feliz, não foi fácil. As outras pessoas ainda não entendiam, e o próprio sistema criou empecilhos, eu quis fazer o mestrado na área de Gestão Ambiental Costeira, mas a instituição exigia formação na área de exatas ou biológicas. Fiz, então, uma especialização lato sensu em Gestão e Tecnologias Ambientais, para que depois pudesse fazer o tal mestrado, pois nesse caso eles me aceitariam. 

E quando já estava terminando a especialização, percebi que eu estava "dando murro em ponta de faca", porque por mais que eu tivesse uma pós graduação lato sensu e depois fizesse uma stricto sensu na área ambiental costeira, no meu currículo eu sempre seria RELAÇÕES PÚBLICAS. Eu sempre seria vista como uma aberração, formada em humanas e tentando me inserir num mundo diferente do meu. Seria como se eu tentasse manter a orquídea na sala e levando de vez em quando para a área de serviço, ela não seria totalmente feliz, nem cumpriria totalmente com a função de estar sempre enfeitando a sala. 

Assim, com o apoio do meu namorido e com a compreensão dos meus pais, parti para a atitude mais drástica: RECOMEÇAR. Prestei vestibular, passei e estou matriculada. Vou fazer o curso que é exatamente o que eu gostaria de fazer: Bacharelado Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia com ênfase em Ciências do Mar + Engenharia Ambiental Portuária + Engenharia de Petróleo e Energias Renováveis + Oceanografia. Sim, isso tudo aí. (risos) Esse novo formato de curso que as Universidades Federais estão adotando agora, é o que há de mais atual em termos de educação superior, ao invés de seguir aquele padrão francês que estamos acostumados, segue um modelo da Declaração de Bolonha (http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_de_Bolonha), que reestruturou o ensino superior na Europa. Nesse modelo, você escolhe o curso de Bacharel em Ciência e Tecnologia se quiser ir para a área de exatas ou biológicas, ou escolhe o curso de Bacharel em Ciências Sociais e Humanidades se preferir as humanas, daí são três anos de curso e depois você escolhe outro(s) curso(s) de dois ou três anos (cada) que será o "complemento", se quiser. 

Lógico que sempre serei Relações Públicas e pretendo utilizar o meu talento natural para as humanas e, especificamente, para a comunicação, mesmo sendo engenheira. Porque o lugar da orquídea é na natureza, mas já que no comecinho da vida dela, já foi destinada a ser um enfeite e vendida numa loja, eu faço dela um "ornitorrinco" e deixo-a sendo feliz na minha área de serviço. E eu serei também um "ornitorrinco" pra sempre, buscando aproveitar o melhor de cada uma das partes dessa mistura, vivendo na "área de serviço"da vida, onde o importante é ser feliz e não cumprir com o que a sociedade espera de você.



CORAGEM para perseguir seus sonhos é tão importante quanto saber exatamente quais são os seus sonhos. Por isso deixo aqui a minha campanha para que todos sejamos "ornitorrincos na área de serviço" da vida.

Obs: Texto dedicado à Nancy Kazumi Taniguchi, que me inspirou a percorrer meus sonhos, que é um exemplo a ser seguido, que me apoiou muito e que é mais um "ornitorrinco na área de serviço" da vida. Parabéns pela formatura, Ka!